bloco dois
diário de trabalho
Materiais Para Intimidades Extremas
FTMM
 

 

 

 

  



Mês 2
Texto 2

Reencontrar um trabalho.
Ensaio e pesquisa de UNDERNEATH -1
Arquelogia do gesto.
Reencontrar os limites, as bordas, as manufaturas.

O exercício de reativar um trabalho sempre abre boas perguntas sobre as matrizes que o sustentam, sobre os corpos que se colocam para a imersão na obra, sobra as possibilidade de manter viva a pesquisa e o trabalho.

Toda vez que me deparo com o exercício de uma remontagem, e sim, gosto de pensar em remontagem, porque é sempre um fazer e refazer, "montar de novo”.

Me parece uma boa premissa sabermos que é o mesmo mas é outro. Convoca o rigor em mergulhar na obra, no que a sustenta, no que ela (assim viva), pede, faz, constrói.

Voltando.

Toda vez que me deparo com o exercício de uma remontagem lembro da Pina Bausch contando de uma vez que precisou remontar Café Müller. Horas de ensaio, dias passando, a estréia se aproximando e ela em crise porque embora o desenho coreográfico parecesse lá, presente, ela sentia que não dançava Café Müller. Enquanto ensaiava num dos dias, menos ocupada de tentar encontrar o elemento que faltava, simplesmente se colocou a dançar e a memória corporal a fez tentar olhar pra cima de olhos fechados, e nesse momento, o corpo inteiro encontrou uma nova organização, recuperou a sensação que a levava pro trabalho.

Reencontro essa história com frequência porque, em algum grau, é invisível e as vezes inominável o que constrói o corpo|contexto que vive o trabalho.  

Ser intérprete (mesmo que dos nossos|FTMM| trabalhos), convida a esse terreno amplo sensorial, muscular, esquelético, sensível, técnico, teórico, essa trama que vai se lapidando com o tempo é uma negociação entre aquilo que a gente gostaria de falar, aquilo que intui que cabe e é necessário, para aos poucos, ir se deparando com um eixo dessa obra que num dado momento quase parece ter motor próprio e que passa a nos lapidar, nos dar forma, nos dizer o que serve, o que deve ser abandonado.

É um terreno muito fino e limítrofe esse em que aquilo que queremos e aquilo que a obra passa a se tornar, constrói.

A liminaridade entre o que eu quero e decido e aquilo que a própria coisa|obra precisa, requer, se borra. A gente (criadores e obra) se coisifica e se subjetiva simultaneamente.

Pois bem, toda essa volta pra dizer que voltar à um trabalho, é voltar-se pra si e encontrar-se no agora. Esse corpo de agora, o espaço de agora, com as inquietações de agora e cavucar entre isso que agora vivo e penso e aquilo que o trabalho nos convida a dizer.

Mais que uma atualização, sinto que é um novo encontro com a obra. Com essa matéria que a gente carregou no corpo, que também se modificou, se pousou sob outras superfícies se misturou a outras perguntas e corporeidades.

Voltamos para UNDERNEATH -1. Felipe, Eu, Renan e Lucas. Esses de agora.

Faço uma Ressalva: É impossível falar dessa criação sem falar de Lucas e Renan.

Renan mergulha na trilha de duoB e faz ela virar espaço, corpo, matéria em movimento. A cada novo lugar outras possibilidades se apresentam, nossos corpos são imersos em novas densidades. O som, desde que Renan chegou, é bailarino conosco. Modela o espaço e nossos gestos com uma precisão sutil e sensível. Lucas leva a luz a outro mapa, desta vez até escultural. Encontra uma verticalidade que não oprime tanto de forma visível mas que empurra ao piso, à terra, expande o espaço e espelha o chão numa projeção quase virtual. Tudo isso convida um corpo quase escultórico que se refaz a cada micro gesto, micro apoio.

Os ensaios começam e é no toque, na pressão de um corpo no outro, que os dispositivos ativadores desse trabalho vão se fazendo presentes.

Sabemos que a ativação se dá pelo som, temos a exigência matriz, intransponível: não parar de mover nunca e não permitir que um corpo se separe completamente do outro.

Nesses 8 anos de UNDERNEATH -1, descobrimos que as sensações e os afetos que emergem ao longo do trabalho são cruciais para a obra. Poder dar vazão a eles é parte do mapa denso que monta essa imersão coletiva, mas encontrar a justeza, o gesto, o fio que faz desses dispositivos um trabalho, pensando numa remontagem,  é exercício endereçado ao próprio fazer.

É também o corpo que nos conta da obra.
A gente se demora nessa arqueologia do gesto.
Tirando a areia deitada sobre umas sensações, uma imagens.

Reencontrando preciosidades que em algum momento tinham sido esquecidas, soterradas. Devagarinho vem vindo à luz essa coleção de materiais.
Aos poucos, com delicadeza e tranquilidade o trabalho emerge e se refaz, bem apurado, bem ajustado à estes que agora o ativam.
Ainda meio memória, meio matéria, entre o invisível, o sensível e a expressão.
A cada dia UNDERNEATH -1 vem mais firme.
Desta vez um pequeno deleite nos traz um novo risco:
Pela primeira vez, essa obra que foi idealizada para ser feita em contexto expositivo, será ativada numa galeria.
Fica o frio na barriga e a vontade de ver o que nos passa (a nós elenco|equipe e à obra).

MM.
Teorema.11
    Mês 2
    Texto 1

    Arte e trabalho

    Trabalhar no período das festas (entre natal e ano novo), junto a família, inevitavelmente traz perguntas na micro e na macro escala.
    Todas questões recaem, basicamente, sobre:
    - O que é trabalho? Ou melhor colocando, o que é reconhecido como trabalho? Passando pelo terreno nebuloso entre atividades de redes sociais, streaming, produção e criação.
    - O que faz uma pessoa que trabalha com cultura? E ainda como a cultura e gestão pública se relacionam?

    O atrevimento dessas questões vai muito além desses textos e certamente não tocarei nem na beirada delas. Há muito o meio acadêmico, (filósofes, socióloges antropóloges, psicóloges, economistas, historiadorus, geógrafes, artistas, e mais uma porção de outras facções) tem se dedicado à estas perguntas. Mas considerando que venho de condições de educação formal bastante privilegiadas (minha família possui ensino superior, a maioria funcionáries públicos aposentades, de esquerda, feministas), alguns aspectos dessas perguntas me convidam a me debruçar um pouco mais. Talvez porque nos dêem dicas do quão fragmentada é a nossa percepção de mundo e do quanto as dinâmicas de trabalho no neoliberalismo financeiro digital se refazem e se introjetam nas nossas experiências.

    Tudo isso porque, primeiro, enquanto todes descansam com suas férias e aposentadorias (até os autônomos se deixam livres nessa semana entre natal e ano novo), eu, Felipe e nossa equipe de gestão, trabalhamos. Em parte porque fomos cooptades pela temporalidade opressiva da atualidade, onde artistas vivem nesse tempo “sobreposto”: Ao mesmo tempo que estamos em criação, estamos projetando o que virá à curto prazo, organizando a viabilização do que virá a médio prazo, com desejo de facilitar algo a longo prazo. Ainda com o pé no que acabou de acontecer tentando analisar | perceber | discutir | ler para melhor articular o que precisa ser dito.

    Vivemos ao mesmo tempo, ontem, hoje, amanhã, esse mês, o mês que vem, esse ano e com sorte uns anos à frente.

    Vejam, não venho queixosa, venho observando.  

    Voltando.

    Enquanto es outres descansam, nós trabalhamos, também porque estamos comprometides com um cronograma de um projeto (as questões sobre os prazos da secretaria de cultura do município de São Paulo foram abordadas anteriormente, não seguirei nelas aqui). Ou seja não estamos nesse fluxo por conta da bizarra premissa “trabalhe enquanto eles dormem”, essa prática só serve à auto-mediocrização, e não nos interessa promovê-la ou reproduzi-la. Ainda que, veja só, é uma semana de recesso e estamos aqui, trabalhando.

    Dito isso, três coisas acontecem com enorme recorrência: mesmo mais afastada do burburinho onde estão as pessoas, eu sou frequentemente interrompida (para conversar, para ajudar em alguma atividade, para sair, etc…) e nessas interrupções outras duas questões aparecem: mas isso é trabalho, com celular e computador?  Como assim edital público? Vai acontecer o quê, o que vocês fazem?

    Isoladas, são elas:
    Isso é trabalho?
    Com celular e com computador? (Lê-se: Mesma coisa que você estava fazendo aqui, antes, na sala e não era trabalho, e às vezes era, misturada em outras coisas…?!)
    Edital público para cultura quer dizer o quê em vias de fato?

    Vejam, não venho solucionar essas questões, aliás, coloco melhor, tentamos, na nossa existência diária, construir condições menos medíocres, menos precárias, menos alienadas. Mas ainda estamos inserides nessa estrutura econômica social. Por tanto, falhamos, mas seguimos tentando.

    De modo que
    no ápice da minha audácia,
    venho apenas notar.
    Pôr atenção numa sensação desconfortável que se organiza em leitura e pergunta.

    O trabalho artístico escapa à leitura das pessoas que não trabalham com isso.

    Em parte porque hoje todo trabalho escapa à vista. A setorização|compartimentalização|segregação do conhecimento e do trabalho, somada à ficção do valor (valor-dinheiro e valor-"importância") faz com que não conheçamos com propriedade trabalho nenhum, talvez, com muita sorte, conheçamos aquele que executamos (e nos executa). Mas há uma particularidade, o trabalho artístico historicamente ocupa esse lugar nebuloso, porque quando serve, ele é idolatrado, posto lado a lado às grande iluminações fabulosas deísticas. Quando não serve, ele vira folga, luxo, hobbie, lazer = “não-trabalho".

    Com isso, abrir espaço para conversar sobre as dedicações em estudos teóricos, técnicos, práticas contínuas, exercícios de fruição,| sensibilizacão e criação, abrem uma fissura geológica no mapa organizacional|laboral daqueles que não fazem isso.

    Talvez porque o corpo foi tão retirado da pauta cotidiana, tão tratado como estorvo, que a idéia de se aproximar do corpo para trabalhar fica colada ao deleite e ao prazer. Não que não seja, mas só quando o trabalho é alienado que a articulação da subjetividade e da matéria escapam à produção. E infelizmente isso também acontece ao trabalho artístico. Inclusive à dança.

    Vejam que abro problemas.
    Me deparo agora com outra escala dessa minha angústia.

    Por que me interessa “validar” como trabalho o que faço? Em parte porque preciso monetarizar a minha produção. Em parte porque caio na trama persecutória de que o que "dá valor” (de novo o VALOR $ ) à existência é o trabalho e a minha capacidade de produzir (como se isso pudesse condensar a minha capacidade de agir no mundo). A introjeção da estrutura moderna, neoliberal é vasta. Mesmo tentando romper com essa estrutura, sou assombrada por ela e tento afirmar a minha relevância no mundo, buscando “provar" a necessidade, importância e valor ($) do meu trabalho entre meus pares (trabalhadores, artistas, familiares…).

    Assim, entre o natal e ano novo, me pego com frequência, contando tudo que faço, as inúmeras atividades, funções, estudos, práticas, pra, no volume absurdo de horas (que quase sempre se configura muito maior do que o de qualquer CLT), deixar ver o tanto que me dedico, o tanto que trabalho e, por tanto, que sou merecedora de algum $ (VALOR).

    Os problemas se estendem, porque quando meu trabalho no computador e no celular se mistura ao suposto “fazer nada” (que de nada não tem nada, porque é uma mar de estimulação e articulação de mapeamento de consumo, lê-se: ficar “navegando na internet”, rolando redes sociais) pelo menos duas ações se escancaram:

    1 o meu trabalho precisa estar inserido nesse contexto para ser monetizado e acessado.

    2 trabalho e ócio, sutil e continuamente vão se tornando a mesma coisa. Nas horas em que "não trabalho”, estou trabalhando para a manutenção das redes onde depois incluo o meu trabalho. No mundo das artes podemos até dizer que isso existe até antes das telas, porque estar em determinados lugares, com determinadas pessoas, sempre foi trabalho para além do trabalho.

    Sim, inúmeras pessoas tem se dedicado a pensar sobre essa esfera digital do neoliberalismo. Seguiremos estudando e tentando gerar glitchs, ranhuras, desajustes nessas estruturas. Mas é interessante ver como nas dinâmicas mais despretensiosas esses elementos se colocam tão normatizados.

    Por fim, o item “cultura e gestão pública”, ou "conversas sobre edital público para arte" (em particular para dança no município de São Paulo, em 2023|24).

    Lembremos que, como coloquei antes, estou lidando com adultes de esquerda, em sua maioria aposentades, ex-funcionáries públicos. Ou seja, o termo "edital público” não é estranho. Nem o modo como as esferas estruturais administrativas e jurídicas implicadas na “lógica dos editais” operam. Isso facilita a conversa, mas revela também que, não conhecendo o trabalho|“o fazer” artístico, tudo cai por terra.

    Desde os modos como uma proposta pode ser apresentada, até as estratégias de aferição pela máquina pública parecem surreais.

    Com conversa tudo se torna possível, mas é impressionante que seja necessário adentrar assuntos como "contabilização de carga horária de trabalho com naturezas de trabalho tão diversas" que aparecem em perguntas do tipo: Quando uma conversa é “só uma conversa” e quando é trabalho? (sim, mesmo se auto-nomeando como esquerda -praticantes e estudiosos- a dimensão da produtividade segue firme e forte), ou tópicos como “como circunscrever o tempo da criação?”, que não opera sobre as questões que temos na lida diária (de conseguir dar margem à um processo que no momento da escrita por vezes é só um apontamento inicial), mas que vem trazendo a fantasia da criação enquanto “iluminação”, um raio, um rompante de lucidez (mais uma vez colada à imagem do artista como a figura iluminada que nasce com um dom e um talento).

    O que fica evidente a medida em que adentramos tanto as esferas práticas quando politicas dos editais é que a relação entre política pública e cultura segue sendo um terreno nebuloso.  

    Sustento, com isso, que falar sobre política pública de cultura é um exercício necessário.
    No fundo, não se sabe a que, ou a quem serve a política pública para cultura.

    Bem grosseiramente, arrisco que a galera de esquerda, entende o $ (valor) e a necessidade, "sabe” que a produção independente de arte “serve” para fomentar o pensamento crítico e que deveria atender às camadas mais marginalizadas da sociedade. Mesmo a esquerda massiva tem dificuldade de pensar o coletivo de forma heterogênea, e de reconhecer o modo hierarquizado que lida com a capacidade de conhecimento das figuras marginalizadas.

    Falar de políticas públicas para cultura é assunto de uma bolha, que por vezes nem contempla grande parte dos beneficiados por essas políticas, artistas e população.

    Me arrisco a contar tudo isso, porque conversando com Felipe, que tem outra estrutura familiar, com pessoas com outros graus de escolaridade e posicionamentos o políticos, chegamos, por outros caminhos, nas mesmas perguntas.

    Me despeço convidando à conversa sobre todos esses assuntos. Tentando descobrir estratégias para dialogar além das nossas bolhas.

   
    Quando lembro do Lepecki apontando a capacidade da dança de “destrambelhar o sensório”, sigo confiando na dança como belo aporte para as mobilizações.

MM.
Teorema.10
Mês 1
Texto 4


Para adentrar a lógica da identidade do projeto de fomento, é preciso falar de como o núcleo trabalha. Porque o designer é também diretor, coreógrafo, bailarino e editor de vídeo (além de fotógrafo, mesmo que nesse projeto essa função esteja com Mayra Azzi e Iago Mati). Do mesmo modo que eu, que hoje escrevo, também sou diretora, coreógrafa, bailarina, fotógrafa, produtora (não no fomento) e articuladora da produção textual do núcleo.

Ainda que tenhamos essa tentativa de descrição das funções, que podem parecer apartadas e muitas, as captações de imagem, edições, produções textuais, construção da identidade imagética, produção de material visual… assim como as criações (em dança, vídeo, texto, foto, perfomance…) acontecem na troca.

Todo o material que é produzido, emerge de vivências e conversas, e o que se lapida e articula dele vive um vai-e-vem em fluxo entre as duas pessoas.

FTMM, assim, lado-a-lado, constróem cada passo. Um exercício contínuo de escuta, atravessamento e confiança.

A confiança profunda nas capacidades e aptidões ume de outre, dá recursos para a autonomia e ampliação da pesquisa. Assim, quando Felipe, designer, apresenta uma proposta, o exercício primeiro é mergulhar, adentrar, brincar nela, e na brincadeira ver o que pede mudança, o que precisa de ajuste. Todo material que trazemos é abraçado e mexido. Mesmo os que a gente achou que chegavam “prontos", se articularam e potencializaram no encontro, no olhar de outre. A gente produz melhor porque produz junte.

Sim, são muitas funções, mas é também assim que a coerência da nossa produção se estrutura. Na vivência das criações não sentimos o acúmulo. Porque pensar e desenvolver uma obra, é articula-la teoricamente, situa-la num tempo-espaço, é reconhecer as escolhas estéticas que levam e derivam dela. Por isso, sem perceber,  nos vimos à frente de muita coisa.

Claro que não podemos retirar desta equação a precarização das nossas condições de trabalho, que fazem com que, mesmo agora, a gente não consiga receber de forma adequada por todas estas funções que estamos executando. Obviamente a falta de recursos para a cultura nos faz aprender, enquanto estratégia de “sub-existência”, a performar funções que estão na "dobra das criações", quase sempre ligadas às funções de veiculação (seja na esfera da produção, comunicação, venda, etc…). Nisso, aprender a ampliar os braços com bons parceires tem sido fundamental. Poder contar com produção e assistência de produção, assessoria de imprensa, etc, tem sido um grande salto. É bom estar acompanhade. Ter uma rede abre espaço para a criação.

Com isso volto ao assunto inicial. A identidade visual do projeto “Materiais Para Intimidades Extremas”. Poucas pessoas tem a sorte de ter um designer (um designer muitíssimo sensível, diga-se de passagem) trabalhando tão profundamente vinculado às criações e aos pensamentos estruturais de um projeto. Poder contar com essa capacidade permite que FTMM não tenha receio de arriscar materiais de divulgação não convencionais. Nesse projeto, Felipe traz a “transparência” e a “tensão”como elemento introdutório da perspectiva de intimidades extremas. Ver além, através, por entre, e encontrar o que talvez não queira, o que é desforme, o que desagrada para além do que se reconhece e encanta.

Assim coloca o designer:

"O projeto gráfico de Materiais Para Intimidades Extremas está sendo desenvolvido combinando conteúdos do acervo de FTMM com fissuras possíveis nas plataformas digitais. Como se pudesse traduzir a inadequação e a busca pela sobrevivência, pontos marcantes do projeto, em leituras visuais e sensoriais quando o material de divulgação acessa o público.
Todo o material é composto por duas versões de cada flyer: um é um arquivo contendo todas as informações e com alguma imagem referente ao conteúdo. O outro é um arquivo transparente. Ele pode ser colocado por cima de qualquer outra imagem. Combinando assim o que se tem de ‘vida real’, intimidades do núcleo como trechos de ensaios, trechos dos laboratórios, com o arquivo transparente por cima.
O conceito desse projeto gráfico acompanha o desejo de ilustrar uma nova fase do núcleo. Junto de uma aproximação extrema de FTMM com o público”.

Finalizo o texto com o convite a olharmos com mais ternura o que se passa a cada núcleo. Especialmente os não ortodoxos. Produções não ortodoxas, exigem métodos e organizações não ortodoxas. Aquilo que pode ser chamado de acúmulo de funções, no fundo é a gente trabalhando, muito, do jeito que melhor toca tudo que nos interessa. Não é estratégia para ganhar mais dinheiro (mesmo porque na proposta e readequação do orçamento foi das nossas rubricas que saiu a maior parte) mas o modo de criação estrutural de FTMM. A gente cria em dança, performance, vídeo, foto, escrita, porque quando a idéia nos toca, dizemos sim, e abraçamos a nossa multiplicidade enquanto potência criadora.

MM.
Teorema.09





CICLO - EXPOSIÇÃO

Mês 1
Texto 3


Toda vez que pisamos oficialmente num contexto novo, entramos no chão devagar, pedindo licença, trilhando o caminho enquanto conhecemos a paisagem.
Encontrar Marcos Gallon é um deleite. Toda sua experiência enquanto curador (e seu olhar gentil ao nosso mundo) transtorna, enche de perguntas, propostas ousadas e muito risco.
Sabemos no estômago, pela angústia e reviravolta que se instaura, que algo muito necessário se desenha e nos exige entrega profunda.
É aqui a morada do nosso trabalho.


Projetar uma exposição é um salto no vazio.
Potente como o vazio e avassalador em mesma escala.
Como contar o que importa do nosso mundo e material videográfico?


Debruçarmo-nos sobre Materiais para Intimidades Extremas é também reconhecer, no nosso percurso, todo trajeto mirando a rasura, o gesto inadequado, a ânsia pela proximidade, o reconhecimento das fissuras reais das idealizações. É recriar a ficção do real.

Recobrar que pessoas, assim como personas, se fazem, refazem, se criam em relações, em percursos, em contextos, e que assim como nós mesmes, nossos pares, amigues, familiares, amores também se desenham às margens dos desejos e das duras linhas socialmente construídas.

Propor uma exposição do nosso material videográfico (incluindo gifs e outros pequenos braços) é voltar os olhos a tudo isso e encontrar desnudado um fio, que perpassa todas as nossas criações e experimentações com imagem… é encontrar a possibilidade de recriar um mundo, num breve momento, onde acirrando todas as normas a que nos sujeitamos diariamente, damos a ver a fresta que risca e suja cada sujeito, lembrando que é também no desajuste que se esconde|revela  tudo aquilo de mais particular, potente e maravilhoso que alguém pode tecer. É na feiura, na estranheza, na esquisitice que a gente abre alí, à meia luz, a dois, a três, a seis, um "sei lá o quê" que a gente mal tem coragem de contar pra gente. Esse pacto que forja, imediatamente, em metal, um elo profundo, que sustenta a intimidade, a relação, a hora em que eu e o outro nos encontramos.

Merleau-Ponty falava do encontro com o outro, dizia que ele se dá justamente na margem que transborda dos dois círculos quase concêntricos, é onde a gente se difere tendo tanto em comum.

Me vejo naquilo que não sou, me revelo na fronteira e na borda daquilo que digo sobre mim. Falo mais de mim naquilo que escondo. No que não digo, no que me escapa.

Nossos vídeos nos escapam.

Pôr à luz.
-Expor.-
É exercício intenso, rigoroso e avassalador.
Bem assim como saltar no vazio.

*Merleau-Ponty : "A Prosa do Mundo"
[cap. "a percepção do outro e o diálogo"].

MM.
Teorema.08
A FRUSTRAÇÃO

Mês 1
Texto 2

O Projeto escrito em Fevereiro|Março, é aprovado em Julho, e só tem a primeira parcela depositada em Novembro.

Oficialmente, o projeto só pode começar quando entra na conta a primeira parcela, no caso, em Novembro.

Diante das readequações de orçamento e cronograma, com o intuito de comprometer o mínimo possível os orçamentos de todes trabalhadores envolvides, enxugamos um mês, diminuindo um pouco a pré produção e a pós.

Com isso,
Materiais Para Intimidades Extremas,
para cumprir o cronograma original,
precisaria em dezembro já ter ações abertas ao público acontecendo.
Mas é novembro.
Todos os espaços estão com suas pautas e programações fechadas.
Logo é natal e em seguida ano novo.
Dezembro é mais curto.
O calendário, de repente, se apresenta quase inimigo.
No que diz respeito ao desejo, o débito é maior.

Em Março queríamos que tudo acontecesse "pra ontem". Nenhuma ação prevista em Materiais Para Intimidades Extremas nos é estranha ou novidade, nem mesmo a nova criação.

Tudo que foi articulado em palavras nos acompanha há muito tempo. A pesquisa tem hoje quase 10 anos, os trabalhos e laboratórios tem sido fruto desse tempo, a nova criação é extensão da pesquisa que iniciamos em 2022 com o desenvolvimento de Ciclos Para Desvio logo após a mudança da relação com som nas apresentações de UNDERNEATH-1 no SESC Pinheiros..

Nossos corpos se organizam nessa trama e urgem.


Aqui voltamos ao embate: O tempo da pulsão da criação difere, em muito, do tempo da articulação burocrática e do universo de pautas das curadorias.

Anos a fio querendo pôr esses motores criadores no mundo, agora sistematicamente suspensos, somos convidades a mais uma vez recuar o passo para se adequar ao tempo da realidade, da máquina pública, dos espaços que acolhem as ações.


Porque a força de imprimir o gesto no tempo e no espaço é forte, seguimos por duas semanas enlouquecides, tentando encontrar modo de viabilizar as ações.  É em reunião com es produtores e a galera da comunicação que se evidencia a necessidade e a estratégia: É preciso recuar nas ações e intensificar o planejamento e a articulação com es parceires e espaços.

Saber administrar a frustação é determinante para seguir.

FTMM está mais que vacinade na lida com as adversidades.

A errância é elemento estrutural da nossa pesquisa, criar hipóteses, testar, experimentar, sentir, arriscar, ajustar, avaliar, rever, são mecanismos diários do trabalho… esses não frustram, potencializam… mas lidar com o que nos escapa às mãos ainda nos é difícil.

Há quem diga, que justamente por não estar em nossas mãos que “fica mais fácil”, mas a lida com as amarras da burocracia é um desconforto contínuo. Ironicamente estamos comprometidos com a realização de um cronograma que se coloca impossível, não por uma questão intrínseca ao projeto, mas por conta do manejo político que esgarça os pagamentos dos fomentos, diminuindo o volume de ações a cada ano, condensando, "tudo ao mesmo tempo junto”, dificultando a articulação das pautas.

Aprenderemos a tornar os ataques em defesas.

Sabemos que não é só conosco, não é pessoalizado, mas, sim, generalista.

Suspeitamos que a fúria da frustração nos é necessária. Saber lidar com a burocracia é um novo exercício (somos muito organizados isso não será o maior problema), mas saber levantar o manto da naturalização das ações políticas sob júdice da burocracia nos exigirá um tanto mais.

Somos convidades a articular, encontrar, reunir. Nossos pares são acionades. Todes, felizmente, respondem eficientemente. Inicia-se então uma série de reuniões e conversas entre FTMM e produção, ETHOS Comunicação e Arte, CCSP, Oficina Cultural Oswald de Andrade, Galeria Vermelho e Espaço Jambu.

Mathilde Rouseaux (assistente de produção) reforça: é preciso transformar a imprevisibilidade em oportunidade.

Deixamos a conversa aí.
Ressoam ainda as perguntas:
Como manter a fúria viva sem impedir a potência criadora?

Como sustentar os aspectos políticos ampliadores dos espaços (nos termos em que nosso projeto exige e que pleiteamos diariamente no exercício da vida), mesmo quando a máquina pública segue forte na dinâmica da exclusão?

Não nos interessa apaziguar tensões. (E nosso trabalho reafirma isso)
Não nos interessa somente nos organizarmos e superarmos as adversidades do cronograma, conseguindo articular janeiro e fevereiro com muitas ações, recuperando o fluxo original,
toda essa dissonância precisará imprimir gesto.

Entre o desejo e o desconforto, deixar a fúria cavar o espaço fértil ao que virá.

Penso no tarô, da carta Temperança.
Como administrar desejos, realidade, matéria, potência e realização.
Me acalmo.
Saber confiar nas sensações, na matéria, nas potências, nos pares.
Jamais esquecer que tudo é político, que também nos cabe rebalizar os sustentáculos das tramas diárias.

Aqui começamos o aprendizado profundo desse fomento.

Deixo uns trechos do que nos oferece Jodorwski em “O caminho do tarot":

"Temperança, o número catorze, representa um anjo. Esta carta chega depois do trabalho profundo do Arcano XIII, que elimi­nou o inútil e criou o vazio necessário ao restabelecimento da circulação interior. O tempo da paz e da saúde chegou. Observe­mos que "Temperança" não tem artigo definido, nem masculino, nem feminino. Podemos falar nos dois gêneros: "ele" como o anjo,"ela" como "a temperança". Assim como O Imperador na primei­ra série decimal, Temperança é um 4, número da estabilidade. O anjo está arraigado à terra e não voa, ainda que suas asas azul­ celeste lhe permitam. Temperança superou o carnal, pode voar às regiões mais sutis. Suas pupilas amarelas, iluminadas de pura consciência, lembram o verso de Rilke, "Todo anjo é terrível".

(…)

Temperança faz comunicar as energias, os fluidos, uns com os outros. Poderíamos dizer que mescla água ao vinho. Por sua ação, já não existem mais energias opostas, nem contrários, mas apenas complementariedades: é o segredo do equilíbrio. Tempe­rança indica o restabelecimento da saúde, o equilíbrio mental e emocional, o controle das paixões sem repressão, mas pela subli­mação. Temperança traz uma mensagem de pacificação: "Encon­tre o centro, seu pêndulo vital deve se afastar dos extremos, passe pelo caminho do meio".

Um "4" cravado na matéria.

Saber temperar não é percurso que apazigua, mas que estrutura estrategicamente.
Ficar as mãos na matéria, nos contextos, nos espaços, dará a ver os gestos necessários.
Seguimos confiando na equipe, na nossa sensibilidade, no nosso desconforto.

A inadequação sempre nos leva além.

MM.
Teorema.07






A MATERIALIDADE DAS COISAS.

Mês 1
Texto 1

Eis que começa.
É sempre bonito o exercício de dar materialidade às coisas.

Há quem diga que escrever um projeto é um exercício de ficção, e em algum grau pode até ser que seja, mas pra nós, que transbordamos o risco da dança em imagens e palavras, no tracejo do projeto logo se inscrevem também uma série de experimentos e estudos.

Dados ao contínuo “pôr a mão na massa”, Materiais para Intimidades Extremas já nasce a partir de muito trabalho que existia e de um tanto que se colocava em conversa e brincadeira. Era projeto, mas já era, também, a própria vida. Da escrita, emergia também estudos em fotografia, vídeos e esboço de gestos. Era o nosso dia a dia, compartilhado em projeto. Ainda não era julho (quando soubemos do resultado do edital) e a pesquisa já havia começado.

Mas ainda que seja extensão natural da nossa labuta, é também, tudo novo.

Pra quem trabalha há 9 anos de forma independente, sem subsidio, ter financiamento, confere outra dinâmica à produção. Este edital permite que levemos nossa proposição ética, estética, política e espiritual à cabo e em maior alcance. É nossa premissa, deixar tudo às claras. Nos interessa compartilhar, pôr em questão, ampliar perspectivas. Conhecimento é pra correr o mundo, arte precisa chegar às pessoas.

Hoje, dia 10 de novembro, se oficializa: os desejos que se articularam em Março podem ter suporte. Es parceires de trabalho estão devidamente acionades, poderão se dedicar com tranquilidade a estudarmos e criarmos juntes. Teremos espaço, materiais de trabalho, tempo, colegas, pesquisadores, artistas apoiades…

É bonito nos vermos reconhecides. É prazeroso encontrar interlocução entre os pares. Mas não nos envaidecemos, isso não é meta, é fera e mera consequência de muito trabalho.

É inspirador saber que em 11 meses teremos ampliado nosso contato com as pessoas, que nossos trabalhos terão alcançado novos interlocutores, chegaremos além, nos chegarão outros mundos, outras lógicas, novas estratégias, novos anseios. É animador estar em movimento, com apoio, com o horizonte mirando uma fenda que aos poucos se rasga na nossa entrada…aqui a dança é meio e não fim.

Com sorte poderemos contribuir para fugir à monocultura de produção.

Toda vez que um rastro de idéia se organiza em ação, se materializa, FTMM dá um salto.

MM.
Teorema.06  






As intimidades, especialmente as extremas, requerem radicalidade, rigor, ruptura e acolhimento.